Milhares de brincantes continuam a tradicional brincadeira de caretas do nordeste brasileiro no Ciclo Natalino de Juazeiro do Norte. Em sua maioria jovens pobres, expostos ao racismo, a violência e exclusão nas comunidades de origem, chamam a si mesmos de entremeio ou de “cão”. Eles brincam anônimos com uma máscara personalizada com acessórios de couro, chifre e barba de bode, trajam macacão preto e carregam um longo chicote de câmara de pneu, que quando estalam no chão produz som semelhante ao de um tiro de arma de fogo.

De 30 anos para cá, a tradição se fortaleceu, os “bichos” se multiplicaram e passaram a predominar nos cortejos de Reisado durante os Quilombos. Eles andam e correm à frente do Reisado seguindo sempre um líder, geralmente o entremeio mais valente e hábil, cuja liderança é designada e legitimada pelo mestre do Reisado, como é o caso de Cícero José Silva Souza, o Bacurau, 45 anos. Um dos entremeios mais respeitados do Quilombo, ele lidera a turma do Reisado dos Irmãos, onde sai como Lobisomem.

“Acho bonito quem quer brincar porque anima a rua. Sem eles o Reisado não existe. Sem eles não teria folclore aqui”, conta. Ele também fala sobre o preconceito que os mascarados sofrem: “A maioria de nós quando sai é para animar a rua, as crianças e tomar conta do Reisado. Mas é como eu falo para você, não tem só os que ama a brincadeira, tem uns que vão para atrapalhar, e é por isso que os cão hoje são tão discriminado.”

Bacurau aproveita para destacar a responsabilidade do entremeio e a importância de saber brincar: “O rei do chicote é a pessoa que sabe manejar aquele relho. Manejar o relho não é só pegar uma cola, enrolar uma liga, enrolar e dizer eu tenho um relho. Eu sabia manejar um relho, não pegava em ninguém, eu nunca estalei um chicote para pegar nas costas de ninguém. A pessoa aqui perto de mim, eu estalava e não pegava em ninguém, nas carreiras, nos encontros, estalava perto do povo e não acertava ninguém. Hoje os caras não sabe estalar um relho não, roda assim, pega em todo mundo ali”, comenta o afamado brincante.

Sobre as brigas e inimizades, ele garante que as rixas são apenas durante o Encontro de Reisados, que é a apoteose e o momento mais esperado da festa. Quando todos se encontram a zoada é grande. Voce pensa que eles vão se matar, mas não. Quando acaba todos se abraçam, é uma alegria só. A rivalidade é só no encontro, passou aquele momento todo mundo é uma família”, finaliza o brincante.